Como o descumprimento da obrigação alimentar pode representar um abuso previsto na Lei Maria da Penha
A separação de um casal com filhos impõe que não apenas as questões atinentes ao casal sejam resolvidas, como também que sejam definidos os pontos jurídicos relacionados aos filhos menores, quais sejam: pensão alimentícia, regime de guarda e o modelo de convivência que será adotado.
Para os envolvidos, o encerramento dessa fase de separação (seja consensual ou não) traz uma percepção de certeza em relação ao cumprimento desses temas. Essa é a sensação que o princípio da segurança jurídica pretende trazer às partes em um processo: previsibilidade, razoabilidade e estabilidade.
Contudo, ao menos no âmbito do direito das famílias, não é o que ocorre em grande parte das vezes.
Não é incomum que sejamos procurados meses após um processo de separação para receber da mãe, em geral, a denúncia de que o genitor vem descumprindo a sua parte na obrigação alimentar, seja deixando de pagar ou atrasando os pagamentos da pensão.
Nesse cenário, a mulher se vê obrigada a reestruturar todo o orçamento doméstico para cobrir a falta financeiro-paterna. Esse remanejamento envolve, geralmente, comprometimento de todo o salário da genitora, atraso de contas com posterior negativação do nome, uso de limite bancário com pagamento de juros altos, contratação de empréstimo, descontrole do cartão de crédito, pedido de ajuda a familiares e amigos e busca de fontes alternativas de renda com comprometimento maior do tempo, esse já tão escasso com a dinâmica de filhos-trabalho-casa. Afinal, as contas não esperam e as necessidades dos filhos precisam ser supridas.
Toda essa alteração forçada da dinâmica familiar que leva ao esgotamento das finanças da gestora do lar, gera, sem dúvidas, um tipo de abuso previsto na Lei Maria da Penha: a violência patrimonial. Embora pouco falada, destrói silenciosamente a vida de muitas mulheres.
A Lei nº 11.340/2006 define a violência patrimonial como “qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades” [da mulher] - artigo 7º, inciso IV.
Como todos os registros de violência, a patrimonial é subnotificada porque depende da ofendida ter a intenção de denunciar ou mesmo se reconhecer como vítima dessa situação. Falta, também, profissionais aptos à escuta sensível, sendo que muitos ainda são responsáveis por impedirem o registro dos abusos.
É aí que a informação se traduz como o primeiro passo para identificar a situação de vulnerabilidade.
Não é forçoso reconhecer que a situação descrita prejudica a vida da mulher e dos filhos, já que é alta a probabilidade de que esta mãe seja encontrada apresentando sinais de cansaço, stress, esgotamento físico e emocional. Já os filhos sofrem abalo no desenvolvimento emocional e psicológico, podendo nutrir sentimentos de abandono, insegurança e instabilidade.
Ou seja, um ato intencional do pai gera um adoecimento em toda a família.
Partindo do pressuposto de que se está tratando de interesses de menores, ou seja, de pessoas em desenvolvimento, fica claro o quanto esses revezes criarão raízes e marcas profundas.
E quanto tempo será necessário para reparar esse adoecimento?
Não se sabe ao certo. O fato é que muitas famílias poderão levar anos ou mesmo nunca serem realmente curadas.
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